Vestígios de um passado distante

Vestígios de um passado distante

domingo, 11 de março de 2012

Sítio Arqueológico de Caieiras




                  Situado nos terrenos da Fazenda Peri-Peri, no município de Matozinhos e próximo à cidade de Mocambeiro, no Estado de Minas Gerais, o sítio arqueológico de Caieiras é composto de uma pequena gruta (Caieiras I) e de um abrigo rochoso (Caieiras II) localizado no mesmo maciço que a caverna, distante cerca de 150 metros dela.
O nome “Caieiras” foi adotado em razão da existência de uma antiga Caieira (pequena fábrica de cal) que funcionava na campina situada entre o rochedo onde se encontra a caverna e a estrada de terra que corta a região. Restos de blocos do antigo forno armado que calcinava a cal ainda podem ser vistos por aqui.

Foto mostrando no primeiro plano à esquerda a parede do antigo forno de cal e ao fundo a entrada da gruta de Caieiras (Caieiras I)

A gruta (Caieiras I) situa-se na base de um rochedo calcário, é aberta para o Leste, possuindo duas entradas formadas por fendas verticais. Em seu interior, existe apenas um pequeno salão de aproximadamente sete metros de largura por uns quinze metros de profundidade.

    Caieiras I: Interior do salão com uma das paredes gravadas a frente


O solo no interior da caverna é composto por um sedimento argiloso, de cor avermelhada e bem compactado. No ano de 1971 a Missão arqueológica Franco-Brasileira, comandada pela arqueóloga francesa A.Laming-Emperaire, com a coordenação da brasileira M. Beltrão, escolheu na caverna dois locais distintos para sondagens. Todavia, as escavações não lograram êxito, mostrando um terreno estéril em termos de vestígios arqueológicos.


                   Apesar do resultado negativo mostrado pela estratigrafia do solo, a caverna surpreende pela arte rupestre que decora suas paredes.


Painel com gravações no interior da gruta (Caieiras I)

A gruta possui três painéis distintos de gravação. Dois situados em cada uma das entradas e um no interior da caverna que se apresenta bem mais conservado.

As gravações neste sítio foram feitas através da técnica de “picoteamento”, onde a rocha base é picotada com um "martelo" para que os desenhos sejam feitos em baixo relevo. Em Caieiras I não existem gravações feitas pela técnica de “incisão”, onde a rocha é cortada através de um buril (uma ferramenta primitiva confeccionada com uma pedra mais dura capaz de desgastar o calcário da parede).

Painel de gravação situado em uma das entradas de Caieiras I: No alto, do lado esquerdo, percebe-se a figura de um cervídeo galhado. No lado direito, dois grandes antropomorfos e na parte inferior um grupo de vários antropomorfos pequenos.

Com exceção de um pequeno vestígio de corante vermelho no alto de uma parede, não há pinturas rupestres em Caieiras I.

Os primeiros calques (cópias em tamanho original para registro dos desenhos) foram feitos na década de 1950 pelo arqueólogo Josaphat Penna e posteriormente, em 1994, repetidos pelo setor de arqueologia do Museu de história natural da UFMG.

Por se encontrar próxima de uma estrada de terra, a gruta, a exemplo de várias outras, vem sofrendo com vandalismos em seu interior.  É possível observar em suas paredes pichações com mais de 60 anos de idade.

Uma pichação no interior da caverna feita em 13/09/1953


O abrigo de rocha (Caieiras II) está situado no mesmo maciço calcário da caverna e nele é possível observar várias pinturas rupestres, além de um grande painel de gravações.

Por se encontrar um pouco mais escondido pela mata que rodeia o calcário, o abrigo não apresenta tanto vandalismo quanto a caverna (Caieiras I).

O abrigo possui aproximadamente 20 metros de extensão beirando a parede calcária e uns 4 metros de profundidade na sua concavidade. O solo no interior do abrigo apresenta um sedimento mais claro e fino, quase que pulverulento. Nas camadas mais profundas prevalece um sedimento argiloso avermelhado.

 Visão do rochedo com os dois sítios:
À esquerda a gruta de Caieiras (Caieiras I) e a direita o abrigo de rocha (Caieiras II)

Ao contrário de Caieiras I, a estratigrafia do abrigo de Caieiras II revelou vestígios de ocupação pré-histórica. As escavações da missão franco-brasileira na década de 70 mostraram níveis de ocupação até quase um metro de profundidade. A camada mais profunda revelou datação de 9.600 BP, uma das datações mais antigas conseguidas na região cárstica de Lagoa Santa até a presente data. Os vestígios arqueológicos encontrados aqui foram de toda sorte: material lítico (raspadores, lâminas de machado lascado e polido e lascas de quartzo), alguns ossos e um fragmento de mandíbula humana.

Lascas de quartzo trabalhadas: 
Nos dias atuais ainda é possível encontrar vestígios de material lítico no abrigo.

No chão do abrigo, em frente à parede gravada, é possível observar também um curioso bloco de rocha com marcas de “cupule” (cúpulas).

Os “cupules” são pequenas depressões circulares feitas na rocha pela mão humana. A sua função ou utilidade ainda é duvidosa, mas os “cupules” não se confundem com as depressões confeccionadas na rocha para moagem que são bem maiores e mais largas.

Os “cupules” raramente são encontrados de forma isolada. Eles costumam formar grupos de várias depressões, às vezes dezenas ou centenas em um mesmo painel. Em algumas tradições (como ocorre em Caieiras II) os “cupules” tendem a ser dispostos de forma sistemática em linhas ou múltiplas linhas, enquanto em outras eles se apresentam de forma aleatória.

Bloco apresentando marcas lineares de “cupules

Com relação às gravações existentes em Caieiras II, as mesmas estão dispostas em um grande painel linear situado na base da parede com aproximadamente cinco metros de extensão. As gravações são bem rasas e por estarem mais expostas às intempéries, as figuras se apresentam bem desgastadas e cobertas por uma poeira avermelhada.


Painel de gravações de Caieiras II, de ponta a ponta, todo coberto por uma faixa de sedimento avermelhado

Visão parcial do painel de gravações de Caieiras II

Com relação às pinturas rupestres, elas estão situadas nas partes mais altas das paredes. É possível observar figuras de animais, antropomorfos e desenhos geométricos.

Pinturas rupestres em Caieiras II

Abrigo de Rocha (Caieiras II): O bloco abatido no chão que desprendeu do teto e a pintura de um antropomorfo na parede ao fundo


O material recolhido nas escavações e os calques das gravuras e pinturas se encontram, respectivamente, no Museu Nacional no Rio de Janeiro e no Museu de história natural da UFMG.

Mais informações, bibliografia sugerida: Penna 1964 e Laming-Emperaire et alii 1977.

Hoje, a paisagem em torno de Caieiras é composta de uma vegetação rala e campos de pastagens, em nada parecida com a paisagem de 9.000 atrás. Nos dias atuais não há água perto dos abrigos e o córrego mais próximo está distanciado a mais de um quilômetro ao norte (córrego do Mocambo).


Em frente ao maciço rochoso existem duas dolinas, hoje secas. As dolinas são depressões no terreno provenientes do desabamento de galerias subterrâneas e são muito comuns no relevo cárstico. É bem possível que em um passado distante essas dolinas fossem lagoas rodeadas de uma exuberante mata, fornecendo todos os meios necessários à sobrevivência dos paleoíndios que ocuparam Caieiras.

Dolina existente em frente ao sítio arqueológico de Caieiras

Com relação à datação das gravações em Caieiras, é bem possível que elas estejam associadas à última camada arqueológica datada em 9.600BP. De fato, uma outra gravação (uma figura de antropomorfo batizado de “taradinho”), no mesmo estilo de Caieiras e descoberta na Lapa do Santo, no mesmo município (Matozinhos) foi datada pela equipe do bio-antropólogo Walter Neves em 10.500 anos.
  
O “taradinho” é uma gravação por picoteamento, com aproximadamente 30 cm de altura que só conseguiu ser datada porque  repousava abaixo de um estrato que continha uma fogueira extinta há milênios. A datação dos carvões da fogueira pelo método carbono 14 confirmou idade de 10.500.

Semelhança das gravações: à esquerda: antropomorfo na gruta de Caieiras I, à direita: “Taradinho”, antropomorfo encontrado na lapa do Santo em Matozinhos. 

Com relação à interpretação da arte rupestre (gravações e pinturas), quão fútil é teorizar sobre o seu significado e propósito sem um entendimento das crenças etnográficas dos seus criadores.

Acredito que até mesmo o termo “arte rupestre” não seja de todo apropriado, pois os grafismos não eram feitos com finalidade meramente artística, e sim, com um propósito possivelmente relacionado a rituais e magia simpática.

Certo é que é inteiramente inútil especular sobre o significado dos registros rupestres na ausência de informação etnográfica confiável. Os pesquisadores que especulam sobre o significado com base em sua própria percepção de arte rupestre estão simplesmente examinando sua própria cognição.

Todavia, alguns comportamentos do passado podem ter sobrevivido ao tempo e, se comparados com os registros rupestres, podem surgir interpretações mais coesas. 

Por exemplo, no nordeste do Brasil ainda existem nativos que usam uma árvore com poderes enteogênicos (a jurema preta). Em várias pinturas dos sítios arqueológicos daquela região aparecem antropomorfos em torno de uma árvore, o que sugere um ritual em torno de uma planta alucinógena sagrada. Em Caieiras é possível detectar algo semelhante.



Comparação do tema “’arvore sagrada”: à esquerda, gravura de Caieiras I, comparada com as pinturas rupestres da Serra da Capivara no Piauí.

Obrigado por sua visita e até a próxima expedição!!!













































7 comentários:

  1. Trabalho muito bem feito!
    Continue assim.

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  2. CARO MAURÍLIO,
    MUITO BOM O SEU TRABALHO... VAI SER MUITO ÚTIL EM MEUS TRABALHOS DE EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO MUSEU ARQUEOLÓGICO DA LAPINHA. É POSSÍVEL CONSEGUIR FOTOS PARA COMPOR NOSSO MATERILA DIDÁTICO?
    ERIKA BÁNYAI

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    1. Olá Érika, te mandei um convite para o facebook..lá convesaremos melhor. obrigado.

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  3. oi Maurilio, moro em Lagoa Santa e nosso grupo de artesãos esta fazendo pesquisas sobre trabalho rupestre para inserir em nossos trabalhos e agora, no final da minha pesquisa, achei seu blog, e foi muito útil e interessante para completar minha pesquisa, pois é muito dificil ter acesso a estes sítios e a gente a caba se perdendo na localidade de cada trabalho. Parabens pelo blog.
    Kathya Bruno

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    1. Oi Kathya, bacana a sua iniciativa. Se quiser trocar idéia a respeito, entre em contato. abraços!

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  4. Olá Maurílio, gostei muito do seu blog.
    Tenho curtido bastante a arte rupestre, desde que vim para Lagoa Santa. To inclusive me inspirando nessa arte de nossos antepassados para realizar meus trabalhos. Te convido para conhecer meu blog e minha página do facebook
    www.facebook.com/aldomoveiscomarte
    http://aldomoveiscomarte.blogspot.com.br

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  5. Olá Maurílio, meu nome é Marcos, sou professor de História da Arte do sistema Pitágoras, sou de BH, mas trabalho no Pará, na região do baixo amazonas na região do Rio Trombetas, moro praticamente em cima de sítios arqueológicos, e sou fanático pelo tema, procuro visitar e observar vários sítios na região do trombetas, o simples fato de uma capina de horta revela artefatos e peças líticas. Gostaria de entrar em contato com você, trocar alguma figurinhas, conheço alguns sítios na região de Lagoa Santa, mas queria ser mais profundo nas minhas pesquisas, meus alunos merecem, afinal eles devem proteger o patrimônio da Amazônia. meu Facebook:
    https://www.facebook.com/profile.php?id=100005056568911&ref=tn_tnmn
    Entre em contato se for de seu interesse, abraços.
    Marcos Cordeiro.

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