Vestígios de um passado distante

Vestígios de um passado distante

domingo, 22 de julho de 2012

Lapa do Santo,

Um tesouro arqueológico, de Minas Gerais para a América



Quem reside na Capital mineira nem imagina que, muito próximo dali, do solo de uma caverna deslumbrante, ecoa um passado distante de milhares de anos que lança novas luzes sobre a vida dos ancestrais que habitaram a nossa terra.

Estou me referindo à Lapa do Santo, uma caverna incrustada em um maciço calcário, nos terrenos da Fazenda Cauaia, Município de Matosinhos, a apenas 60 quilômetros de Belo Horizonte.

A Lapa do Santo está inserida na Apa Carste de Lagoa Santa (área de proteção ambiental do relevo cárstico) que aflora na região de Lagoa Santa e adjacências e que abriga inúmeras cavernas e sítios arqueológicos.

Lapa do Santo: visão do rochedo calcário e da enorme boca da caverna encoberta pela mata


Para entender a importância desse sítio arqueológico, basta dizer que ali foi encontrado um grafismo rupestre datado, até agora, como o mais antigo das Américas. Trata-se de um petróglifo (uma gravação na rocha) de uma figura antropomorfa com o falo ereto, batizada de “taradinho” com datação  superior a 9.500 anos atrás.

Além dessa importante descoberta, a Lapa do Santo revelou outras, tais como as práticas mortuárias bizarras, verdadeiras obras de arte, até então pouco conhecidas, realizadas pelos homens pré-históricos da denominada “raça de lagoa santa”.



 Lapa do Santo, visão parcial da escavação e do salão principal


Algumas ornamentações naturais na Lapa do Santo: À esquerda, a face de um "guardião” e à direita um enorme estalactite na entrada do abrigo.

A caverna, que por si só já é muito bela, parecendo um anfiteatro natural, é rica em vestígios arqueológicos de toda ordem: inúmeros sepultamentos, cinzas de fogueiras, sobras de refeições de frutas, caça miúda, instrumentos líticos lascados e polidos, pinturas rupestres, painéis de gravações de petroglifos, marcas de afiadores de machados de pedra, etc. Tudo indicando que o abrigo foi usado como moradia e cemitério por um grupo de caçadores-coletores que viviam da coleta de frutos e tubérculos e da caça de animais de pequeno porte.

À esquerda: Salão secundário da Lapa do Santo, onde são encontradas as pinturas rupestres (a direita)

Afiadores, incisões na rocha resultantes da afiação do gume de machados de pedra

As datações conseguidas na Lapa do Santo indicam que o abrigo foi ocupado em três fases distintas (holoceno tardio, médio e inicial) com datações médias de 800, 4.000 e 9.500 anos antes do presente, para cada fase respectivamente.

Foram realizadas aproximadamente 57 datações de carvão, 10 de TL e 9 de esqueletos, utilizando os métodos de datação de carbono-14 e termo luminescência. (estima-se um gasto superior a 50 mil dólares só com as datações).

As datações obtidas no abrigo estão em sintonia com as outras datações apuradas nos demais abrigos da região de Lagoa Santa que mostram claramente que a ocupação destas cavernas se deu de forma irregular e não contínua. Há aproximadamente 4.000 anos atrás, após o desaparecimento da raça de lagoa santa (povo de Luzia) a região de abrigos e cavernas do carste de Lagoa Santa parece ter sido abandonada talvez pela escassez de água e caça no local. Quando alguns abrigos voltaram a ser ocupados novamente no último milênio a população indígena já era diferente, apresentando características morfológicas e hábitos bastante diferentes do antigo povo de Luzia.

Principal área de escavação: 29 esqueletos e datações até 9.000 anos

As principais escavações na Lapa do Santo ocorreram no período de 2002 a 2009, dentro do “projeto origens” sob a supervisão do arqueólogo e bioantropólogo Walter Alves Neves, projeto coordenado pelo Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos (LEEH) do Instituto de Biociências (IB) da Universidade de São Paulo (USP)

A pesquisa recebeu apoio financeiro da FAPESP (Fundação de amparo à pesquisa do Estado de São Paulo.

Agora o arqueólogo André Strauss, do Instituo Max Planck de Antropologia Evolutiva, na Alemanha, dá continuidade aos trabalhos de pesquisa e escavação analisando as estranhas práticas mortuárias que ocorreram no abrigo.

Detalhes da escavação: à esquerda, dentro do abrigo: a retirada de um esqueleto. À direita, fora do abrigo, sedimentos sendo peneirados a procura de pequenos vestígios.

Mesa de trabalho na escavação: Tecnologia à disposição do passado. O uso do computador é essencial, pois é através de um software que todas as peças encontradas no sítio são plotadas. Os vestígios são registrados em planilhas, onde é anotado o tipo do objeto, sua posição, nível, coordenadas, etc.

Taradinho:

O grafismo rupestre batizado de “taradinho” foi encontrado já no apagar das luzes, no final da escavação de 2009, a 4 metros abaixo da superfície.

A figura representa um antropoformo, que parece estar de cócoras, com os braços abertos, com três dígitos em cada mão e o rosto em forma de “c”. Possui cerca de 30 cm de altura e 20 cm de largura.

Pelo fato de ser um petróglifo, ou seja, uma gravação feita na rocha em baixo relevo, a princípio, seria impossível obter a datação da figura. Mas como a gravação estava inscrita em uma rocha soterrada a 4 metros de profundidade, foi possível datar o sedimento que cobria a pedra. Restos de uma fogueira pré-histórica localizada a poucos centímetros acima da figura, no sedimento que cobria a gravação, forneceram carvão suficiente para a obtenção de datações acima de 9.000 anos. Se a figura estava abaixo desse nível de sedimento datado significa que ela é ainda bem mais antiga. A análise da datação e da estratigrafia local sugere datações de 9.000 a 11.000 anos de idade, fazendo do “taradinho” o mais antigo exemplo de grafismo rupestre encontrado nas Américas.

Essa descoberta é de suma importância, pois além de se conseguir uma datação precisa de um grafismo rupestre (o que é extremamente difícil), a descoberta põe em cheque a tese americana do chamado modelo Clovis que, segunda a qual, a única via migratória do ser humano para o continente americano teria ocorrido pelo estreito de Bering há cerca de 10 a 12 mil anos atrás. Com a datação do Taradinho, percebe-se que dez séculos ou um pouco mais seria um tempo muito curto para as populações humanas migrarem do estreito de Bering no norte da América para a região de Lagoa Santa se adaptando aos ecossistemas existentes pelo caminho. A morfologia do homem da raça de Lagoa Santa (conhecida por Lund como Homo Sapiens lagoanus) e agora também batizada como o “povo de Luzia” indica características negróides, diferentes das características mongolóides da população que fez a travessia do estreito de Bering no modelo Clovis. Quando se compara a morfologia craniana do povo de Luzia com os demais tipos, percebe-se que o povo de Luzia se parece muito mais com australianos e africanos do que com as populações mongóis da Sibéria ou mesmo com as populações indígenas atuais.  Tais fatos podem sugerir que existiram travessias anteriores a 12 mil anos sem ser aquela citada pelo modelo Clovis ou mesmo outras rotas migratórias ainda não identificadas.

Ao final das escavações nessa quadra, a gravura foi novamente soterrada com a devolução dos sedimentos retirados. Assim, o “taradinho” voltou a ficar escondido e preservado a 4 metros abaixo da superfície. Tudo indica que não se trata de uma figura única. É possível que o “Taradinho” faça parte de um painel maior de gravações que se encontram soterradas em quadras que serão escavadas no futuro.

No link abaixo é possível ver um vídeo da quadra e do poço onde a figura foi encontrada na caverna: http://www.youtube.com/watch?v=9EbXp4CdB6w (cole o endereço da URL)

 
Petroglifo antropomorfo “taradinho” - Foto: Acervo LEEH
Na figura é possível observar:
 1- O rosto em forma de “c”, com a boca aberta, 2- as mãos com três dígitos, 3- O falo ereto e 4- As pernas
  
 
Petróglifo de antropomorfo que faz parte de outro painel de gravações na Lapa do Santo. Observe o mesmo estilo da figura com três dígitos nas mãos e nos pés.

Práticas mortuárias bizarras:

As escavações que revelaram mais de 29 esqueletos humanos na Lapa do Santo mostraram práticas rituais bastante excêntricas. Até bem pouco tem atrás se acreditava que os sepultamentos pré-históricos da região de lagoa santa eram realizados de forma primária, ou seja, os corpos eram enterrados diretamente no chão, em posição fetal e de lado e as sepulturas eram cercadas por blocos de pedra.


Depois das escavações na Gruta de Boleiras e principalmente agora, com o trabalho realizado na Lapa do Santo, ficou constatado que os paleoindios, além do sepultamento primário, faziam uso também do sepultamento secundário, ou seja, depois de enterrar os corpos no solo, os ossos eram retirados e manipulados, recebendo algum tipo de tratamento ritual para serem reorganizados e enterrados novamente.

Nos sepultamentos secundários, os ossos foram intencionalmente reorganizados, seguindo regras específicas e orientações baseadas em uma lógica na forma como os ossos eram cortados e juntados novamente. Havia uma simetria bizarra nesses sepultamentos misturados, geralmente juntando um crânio adulto com ossos de crianças ou vice e versa.

Parece que uma criatividade mórbida e misteriosa regia os sepultamentos, onde os ossos de diversos mortos podiam ser reunidos dentro do crânio de outra pessoa. Dentes de um indivíduo eram arrancados para enfeitar o esqueleto de outro. Uso de tinta vermelha (ocre) e queima com fogo mudavam a aparência dos restos mortais dos indivíduos.




Um metacarpo e outros ossos misturados

Nos diversos sepultamentos encontrados em estratigrafias datadas de mais de 8.000 anos é possível observar várias manipulações e arranjos intencionais dos ossos. Por exemplo: 1) aplicação de pigmento de cor ocre sobre o crânio, 2) incisões intencionais nos ossos, 3) remoção intencional das extremidades de fêmures e úmeros, 4) caixa craniana com vários ossos em seu interior de outros indivíduos misturados com marcas de corte e queima, 5) mandíbulas com todos os dentes propositalmente removidos, 6) crânio com a região do alvéolo queimada, 7) cotovelo com corte na extremidade proximal da diáfise e inserido dentro de  um crânio, 8) cortes e marcas de machados nos ossos em abundância, 9) feixe de ossos longos de adultos presos com a mandíbula de uma criança. Todos os dentes estavam ausentes da mandíbula e não foram encontrados nas proximidades. Cada extremidade da mandíbula apresentava um pequeno orifício circular de cerca de 3 mm de diâmetro, talvez indicando que a mandíbula serviu como um “anel” para manter o feixe de ossos juntos. 10) No sepultamento de n: 26 foram encontrados os ossos das mãos amputadas, orientadas em direções opostas sobre o rosto, com a mão direita colocada sobre o lado esquerdo do rosto, com os dedos apontando para baixo e mão esquerda colocada sobre o lado direito do rosto com os dedos apontados para cima.

O interessante é que a região de Lagoa Santa é escavada sistematicamente desde o século 19, com centenas de esqueletos descobertos e até então, a idéia que se tinha era a de que os sepultamentos eram apenas “normais”, com os corpos intactos enterrados em posição fetal entre blocos de pedra.

Ao que tudo indica, essa prática mortuária de manipulação, descarne dos ossos após a morte e sua reorganização não tem ligações com canibalismo e nem mesmo com sacrifício humano, pois não há sinal de violência (fraturas na cabeça).

Esses ritos funerários elaborados através da utilização do corpo humano como objeto sagrado, com sua redução corporal (corte e seleção de alguns ossos específicos) ou a sua reorganização espacial parecem não serem específicos do abrigo da Lapa do Santo. Muitos sítios arqueológicos espalhados em Minas e nas Américas já deram indícios dessas práticas. Existem evidências tais como os ossos dos pés isolados do corpo, achados no sítio de Santana do Riacho, região da serra do Cipó em Minas Gerais, ou os ossos tubulares queimados achados em Confins ou o amputado do vale do Peruaçu, todas essas evidências até então ignoradas.

Certamente, um novo estudo das coleções dos esqueletos fósseis da região de Lagoa santa, principalmente as coleções de Harold Walter, do Museu Nacional do Rio de Janeiro e do Museu de Lund em Copenhague, trará novas luzes sobre a prática mortuária do Povo de Luzia.















domingo, 11 de março de 2012

Sítio Arqueológico de Caieiras




                  Situado nos terrenos da Fazenda Peri-Peri, no município de Matozinhos e próximo à cidade de Mocambeiro, no Estado de Minas Gerais, o sítio arqueológico de Caieiras é composto de uma pequena gruta (Caieiras I) e de um abrigo rochoso (Caieiras II) localizado no mesmo maciço que a caverna, distante cerca de 150 metros dela.
O nome “Caieiras” foi adotado em razão da existência de uma antiga Caieira (pequena fábrica de cal) que funcionava na campina situada entre o rochedo onde se encontra a caverna e a estrada de terra que corta a região. Restos de blocos do antigo forno armado que calcinava a cal ainda podem ser vistos por aqui.

Foto mostrando no primeiro plano à esquerda a parede do antigo forno de cal e ao fundo a entrada da gruta de Caieiras (Caieiras I)

A gruta (Caieiras I) situa-se na base de um rochedo calcário, é aberta para o Leste, possuindo duas entradas formadas por fendas verticais. Em seu interior, existe apenas um pequeno salão de aproximadamente sete metros de largura por uns quinze metros de profundidade.

    Caieiras I: Interior do salão com uma das paredes gravadas a frente


O solo no interior da caverna é composto por um sedimento argiloso, de cor avermelhada e bem compactado. No ano de 1971 a Missão arqueológica Franco-Brasileira, comandada pela arqueóloga francesa A.Laming-Emperaire, com a coordenação da brasileira M. Beltrão, escolheu na caverna dois locais distintos para sondagens. Todavia, as escavações não lograram êxito, mostrando um terreno estéril em termos de vestígios arqueológicos.


                   Apesar do resultado negativo mostrado pela estratigrafia do solo, a caverna surpreende pela arte rupestre que decora suas paredes.


Painel com gravações no interior da gruta (Caieiras I)

A gruta possui três painéis distintos de gravação. Dois situados em cada uma das entradas e um no interior da caverna que se apresenta bem mais conservado.

As gravações neste sítio foram feitas através da técnica de “picoteamento”, onde a rocha base é picotada com um "martelo" para que os desenhos sejam feitos em baixo relevo. Em Caieiras I não existem gravações feitas pela técnica de “incisão”, onde a rocha é cortada através de um buril (uma ferramenta primitiva confeccionada com uma pedra mais dura capaz de desgastar o calcário da parede).

Painel de gravação situado em uma das entradas de Caieiras I: No alto, do lado esquerdo, percebe-se a figura de um cervídeo galhado. No lado direito, dois grandes antropomorfos e na parte inferior um grupo de vários antropomorfos pequenos.

Com exceção de um pequeno vestígio de corante vermelho no alto de uma parede, não há pinturas rupestres em Caieiras I.

Os primeiros calques (cópias em tamanho original para registro dos desenhos) foram feitos na década de 1950 pelo arqueólogo Josaphat Penna e posteriormente, em 1994, repetidos pelo setor de arqueologia do Museu de história natural da UFMG.

Por se encontrar próxima de uma estrada de terra, a gruta, a exemplo de várias outras, vem sofrendo com vandalismos em seu interior.  É possível observar em suas paredes pichações com mais de 60 anos de idade.

Uma pichação no interior da caverna feita em 13/09/1953


O abrigo de rocha (Caieiras II) está situado no mesmo maciço calcário da caverna e nele é possível observar várias pinturas rupestres, além de um grande painel de gravações.

Por se encontrar um pouco mais escondido pela mata que rodeia o calcário, o abrigo não apresenta tanto vandalismo quanto a caverna (Caieiras I).

O abrigo possui aproximadamente 20 metros de extensão beirando a parede calcária e uns 4 metros de profundidade na sua concavidade. O solo no interior do abrigo apresenta um sedimento mais claro e fino, quase que pulverulento. Nas camadas mais profundas prevalece um sedimento argiloso avermelhado.

 Visão do rochedo com os dois sítios:
À esquerda a gruta de Caieiras (Caieiras I) e a direita o abrigo de rocha (Caieiras II)

Ao contrário de Caieiras I, a estratigrafia do abrigo de Caieiras II revelou vestígios de ocupação pré-histórica. As escavações da missão franco-brasileira na década de 70 mostraram níveis de ocupação até quase um metro de profundidade. A camada mais profunda revelou datação de 9.600 BP, uma das datações mais antigas conseguidas na região cárstica de Lagoa Santa até a presente data. Os vestígios arqueológicos encontrados aqui foram de toda sorte: material lítico (raspadores, lâminas de machado lascado e polido e lascas de quartzo), alguns ossos e um fragmento de mandíbula humana.

Lascas de quartzo trabalhadas: 
Nos dias atuais ainda é possível encontrar vestígios de material lítico no abrigo.

No chão do abrigo, em frente à parede gravada, é possível observar também um curioso bloco de rocha com marcas de “cupule” (cúpulas).

Os “cupules” são pequenas depressões circulares feitas na rocha pela mão humana. A sua função ou utilidade ainda é duvidosa, mas os “cupules” não se confundem com as depressões confeccionadas na rocha para moagem que são bem maiores e mais largas.

Os “cupules” raramente são encontrados de forma isolada. Eles costumam formar grupos de várias depressões, às vezes dezenas ou centenas em um mesmo painel. Em algumas tradições (como ocorre em Caieiras II) os “cupules” tendem a ser dispostos de forma sistemática em linhas ou múltiplas linhas, enquanto em outras eles se apresentam de forma aleatória.

Bloco apresentando marcas lineares de “cupules

Com relação às gravações existentes em Caieiras II, as mesmas estão dispostas em um grande painel linear situado na base da parede com aproximadamente cinco metros de extensão. As gravações são bem rasas e por estarem mais expostas às intempéries, as figuras se apresentam bem desgastadas e cobertas por uma poeira avermelhada.


Painel de gravações de Caieiras II, de ponta a ponta, todo coberto por uma faixa de sedimento avermelhado

Visão parcial do painel de gravações de Caieiras II

Com relação às pinturas rupestres, elas estão situadas nas partes mais altas das paredes. É possível observar figuras de animais, antropomorfos e desenhos geométricos.

Pinturas rupestres em Caieiras II

Abrigo de Rocha (Caieiras II): O bloco abatido no chão que desprendeu do teto e a pintura de um antropomorfo na parede ao fundo


O material recolhido nas escavações e os calques das gravuras e pinturas se encontram, respectivamente, no Museu Nacional no Rio de Janeiro e no Museu de história natural da UFMG.

Mais informações, bibliografia sugerida: Penna 1964 e Laming-Emperaire et alii 1977.

Hoje, a paisagem em torno de Caieiras é composta de uma vegetação rala e campos de pastagens, em nada parecida com a paisagem de 9.000 atrás. Nos dias atuais não há água perto dos abrigos e o córrego mais próximo está distanciado a mais de um quilômetro ao norte (córrego do Mocambo).


Em frente ao maciço rochoso existem duas dolinas, hoje secas. As dolinas são depressões no terreno provenientes do desabamento de galerias subterrâneas e são muito comuns no relevo cárstico. É bem possível que em um passado distante essas dolinas fossem lagoas rodeadas de uma exuberante mata, fornecendo todos os meios necessários à sobrevivência dos paleoíndios que ocuparam Caieiras.

Dolina existente em frente ao sítio arqueológico de Caieiras

Com relação à datação das gravações em Caieiras, é bem possível que elas estejam associadas à última camada arqueológica datada em 9.600BP. De fato, uma outra gravação (uma figura de antropomorfo batizado de “taradinho”), no mesmo estilo de Caieiras e descoberta na Lapa do Santo, no mesmo município (Matozinhos) foi datada pela equipe do bio-antropólogo Walter Neves em 10.500 anos.
  
O “taradinho” é uma gravação por picoteamento, com aproximadamente 30 cm de altura que só conseguiu ser datada porque  repousava abaixo de um estrato que continha uma fogueira extinta há milênios. A datação dos carvões da fogueira pelo método carbono 14 confirmou idade de 10.500.

Semelhança das gravações: à esquerda: antropomorfo na gruta de Caieiras I, à direita: “Taradinho”, antropomorfo encontrado na lapa do Santo em Matozinhos. 

Com relação à interpretação da arte rupestre (gravações e pinturas), quão fútil é teorizar sobre o seu significado e propósito sem um entendimento das crenças etnográficas dos seus criadores.

Acredito que até mesmo o termo “arte rupestre” não seja de todo apropriado, pois os grafismos não eram feitos com finalidade meramente artística, e sim, com um propósito possivelmente relacionado a rituais e magia simpática.

Certo é que é inteiramente inútil especular sobre o significado dos registros rupestres na ausência de informação etnográfica confiável. Os pesquisadores que especulam sobre o significado com base em sua própria percepção de arte rupestre estão simplesmente examinando sua própria cognição.

Todavia, alguns comportamentos do passado podem ter sobrevivido ao tempo e, se comparados com os registros rupestres, podem surgir interpretações mais coesas. 

Por exemplo, no nordeste do Brasil ainda existem nativos que usam uma árvore com poderes enteogênicos (a jurema preta). Em várias pinturas dos sítios arqueológicos daquela região aparecem antropomorfos em torno de uma árvore, o que sugere um ritual em torno de uma planta alucinógena sagrada. Em Caieiras é possível detectar algo semelhante.



Comparação do tema “’arvore sagrada”: à esquerda, gravura de Caieiras I, comparada com as pinturas rupestres da Serra da Capivara no Piauí.

Obrigado por sua visita e até a próxima expedição!!!