O nome “Caieiras” foi adotado em razão da existência de
uma antiga Caieira (pequena fábrica de cal) que funcionava na campina situada
entre o rochedo onde se encontra a caverna e a estrada de terra que corta a
região. Restos de blocos do antigo forno armado que calcinava a cal ainda podem
ser vistos por aqui.
Foto mostrando no
primeiro plano à esquerda a parede do antigo forno de cal e ao fundo a entrada
da gruta de Caieiras (Caieiras I)
A gruta (Caieiras I) situa-se na base de um rochedo
calcário, é aberta para o Leste, possuindo duas entradas formadas por fendas
verticais. Em seu interior, existe apenas um pequeno salão de aproximadamente
sete metros de largura por uns quinze metros de profundidade.
Caieiras I: Interior
do salão com uma das paredes gravadas a frente
O solo no interior da caverna é composto por um
sedimento argiloso, de cor avermelhada e bem compactado. No ano de 1971 a Missão arqueológica
Franco-Brasileira, comandada pela arqueóloga francesa A.Laming-Emperaire,
com a coordenação da brasileira M. Beltrão, escolheu na caverna dois locais
distintos para sondagens. Todavia, as escavações não lograram êxito, mostrando
um terreno estéril em termos de vestígios arqueológicos.
Apesar do resultado negativo mostrado pela
estratigrafia do solo, a caverna surpreende pela arte rupestre que decora suas
paredes.
Painel com gravações
no interior da gruta (Caieiras I)
A gruta possui três painéis distintos de gravação. Dois
situados em cada uma das entradas e um no interior da caverna que se apresenta
bem mais conservado.
As gravações neste sítio foram feitas através da
técnica de “picoteamento”, onde a rocha base é picotada com um "martelo" para que os desenhos
sejam feitos em baixo relevo. Em Caieiras I não existem gravações feitas pela
técnica de “incisão”, onde a rocha é cortada através de um buril (uma
ferramenta primitiva confeccionada com uma pedra mais dura capaz de desgastar o
calcário da parede).
Painel de gravação
situado em uma das entradas de Caieiras I: No alto, do lado esquerdo,
percebe-se a figura de um cervídeo galhado. No lado direito, dois grandes
antropomorfos e na parte inferior um grupo de vários antropomorfos pequenos.
Com exceção de um pequeno vestígio de corante vermelho
no alto de uma parede, não há pinturas rupestres em Caieiras I.
Os primeiros calques (cópias em tamanho original para
registro dos desenhos) foram feitos na década de 1950 pelo arqueólogo Josaphat
Penna e posteriormente, em 1994, repetidos pelo setor de arqueologia do Museu
de história natural da UFMG.
Por se encontrar próxima de uma estrada de terra, a
gruta, a exemplo de várias outras, vem sofrendo com vandalismos em seu
interior. É possível observar em suas paredes
pichações com mais de 60 anos de idade.
Uma pichação no
interior da caverna feita em 13/09/1953
O abrigo de rocha (Caieiras II) está situado no mesmo
maciço calcário da caverna e nele é possível observar várias pinturas
rupestres, além de um grande painel de gravações.
Por se encontrar um pouco mais escondido pela mata que
rodeia o calcário, o abrigo não apresenta tanto vandalismo quanto a caverna
(Caieiras I).
O abrigo possui aproximadamente 20 metros de extensão
beirando a parede calcária e uns 4 metros de profundidade na sua concavidade. O
solo no interior do abrigo apresenta um sedimento mais claro e fino, quase que
pulverulento. Nas camadas mais profundas prevalece um sedimento argiloso
avermelhado.
À esquerda a gruta de
Caieiras (Caieiras I) e a direita o abrigo de rocha (Caieiras II)
Ao contrário de Caieiras I, a estratigrafia do abrigo de
Caieiras II revelou vestígios de ocupação pré-histórica. As escavações da
missão franco-brasileira na década de 70 mostraram níveis de ocupação até quase
um metro de profundidade. A camada mais profunda revelou datação de 9.600 BP,
uma das datações mais antigas conseguidas na região cárstica de Lagoa Santa até
a presente data. Os vestígios arqueológicos encontrados aqui foram de toda
sorte: material lítico (raspadores, lâminas de machado lascado e polido e
lascas de quartzo), alguns ossos e um fragmento de mandíbula humana.
Lascas de quartzo
trabalhadas:
Nos dias atuais ainda é possível encontrar vestígios de material
lítico no abrigo.
No chão do abrigo, em frente à parede gravada, é
possível observar também um curioso bloco de rocha com marcas de “cupule”
(cúpulas).
Os “cupules” são pequenas depressões circulares feitas
na rocha pela mão humana. A sua função ou utilidade ainda é duvidosa, mas os
“cupules” não se confundem com as depressões confeccionadas na rocha para
moagem que são bem maiores e mais largas.
Os “cupules” raramente são encontrados de forma
isolada. Eles costumam formar grupos de várias depressões, às vezes dezenas ou
centenas em um mesmo painel. Em algumas tradições (como ocorre em Caieiras II)
os “cupules” tendem a ser dispostos de forma sistemática em linhas ou múltiplas
linhas, enquanto em outras eles se apresentam de forma aleatória.
Bloco apresentando marcas lineares de “cupules”
Com relação às
gravações existentes em Caieiras II, as mesmas estão dispostas em um grande
painel linear situado na base da parede com aproximadamente cinco metros de
extensão. As gravações são bem rasas e por estarem mais expostas às
intempéries, as figuras se apresentam bem desgastadas e cobertas por uma poeira
avermelhada.
Painel de gravações de Caieiras II, de ponta a ponta,
todo coberto por uma faixa de sedimento avermelhado
Visão parcial do painel de gravações de Caieiras II
Com relação às
pinturas rupestres, elas estão situadas nas partes mais altas das paredes. É
possível observar figuras de animais, antropomorfos e desenhos geométricos.
Pinturas rupestres em Caieiras II
Abrigo de Rocha
(Caieiras II): O bloco abatido no chão que desprendeu do teto e a pintura de um
antropomorfo na parede ao fundo
O material recolhido nas escavações e os calques das
gravuras e pinturas se encontram, respectivamente, no Museu Nacional no Rio de
Janeiro e no Museu de história natural da UFMG.
Mais informações,
bibliografia sugerida: Penna 1964 e Laming-Emperaire et alii 1977.
Hoje, a paisagem em
torno de Caieiras é composta de uma vegetação rala e campos de pastagens, em
nada parecida com a paisagem de 9.000 atrás. Nos dias atuais não
há água perto dos abrigos e o córrego mais próximo está distanciado a mais de
um quilômetro ao norte (córrego do Mocambo).
Em frente ao maciço
rochoso existem duas dolinas, hoje secas. As dolinas são depressões no terreno
provenientes do desabamento de galerias subterrâneas e são muito comuns no
relevo cárstico. É bem possível que em um passado distante essas dolinas fossem
lagoas rodeadas de uma exuberante mata, fornecendo todos os meios necessários à
sobrevivência dos paleoíndios que ocuparam Caieiras.
Dolina existente em
frente ao sítio arqueológico de Caieiras
Com relação à datação das gravações em Caieiras, é bem
possível que elas estejam associadas à última camada arqueológica datada em
9.600BP. De fato, uma outra gravação (uma figura de antropomorfo batizado de
“taradinho”), no mesmo estilo de Caieiras e descoberta na Lapa do Santo, no
mesmo município (Matozinhos) foi datada pela equipe do bio-antropólogo Walter Neves
em 10.500 anos.
O “taradinho” é uma gravação por picoteamento, com
aproximadamente 30 cm
de altura que só conseguiu ser datada porque
repousava abaixo de um estrato que continha uma fogueira extinta há
milênios. A datação dos carvões da fogueira pelo método carbono 14 confirmou
idade de 10.500.
Semelhança das gravações: à
esquerda: antropomorfo na gruta de Caieiras I, à direita: “Taradinho”,
antropomorfo encontrado na lapa do Santo em Matozinhos.
Com relação à interpretação
da arte rupestre (gravações e pinturas), quão fútil é teorizar sobre o seu
significado e propósito sem um entendimento das crenças etnográficas dos seus
criadores.
Acredito que até mesmo o
termo “arte rupestre” não seja de todo apropriado, pois os grafismos não eram
feitos com finalidade meramente artística, e sim, com um propósito
possivelmente relacionado a rituais e magia simpática.
Certo é que é inteiramente inútil especular sobre o
significado dos registros rupestres na ausência de informação etnográfica
confiável. Os pesquisadores que
especulam sobre o significado com base em sua própria percepção de arte
rupestre estão simplesmente examinando sua própria cognição.
Todavia, alguns comportamentos do passado
podem ter sobrevivido ao tempo e, se comparados com os registros rupestres,
podem surgir interpretações mais coesas.
Por exemplo, no nordeste do Brasil ainda
existem nativos que usam uma árvore com poderes enteogênicos (a jurema preta).
Em várias pinturas dos sítios arqueológicos daquela região aparecem
antropomorfos em torno de uma árvore, o que sugere um ritual em torno de uma
planta alucinógena sagrada. Em Caieiras é possível detectar algo semelhante.
Comparação do tema “’arvore sagrada”: à esquerda, gravura
de Caieiras I, comparada com as pinturas rupestres da Serra da Capivara no
Piauí.
Obrigado por sua visita e até a próxima expedição!!!
Trabalho muito bem feito!
ResponderExcluirContinue assim.
CARO MAURÍLIO,
ResponderExcluirMUITO BOM O SEU TRABALHO... VAI SER MUITO ÚTIL EM MEUS TRABALHOS DE EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO MUSEU ARQUEOLÓGICO DA LAPINHA. É POSSÍVEL CONSEGUIR FOTOS PARA COMPOR NOSSO MATERILA DIDÁTICO?
ERIKA BÁNYAI
Olá Érika, te mandei um convite para o facebook..lá convesaremos melhor. obrigado.
Excluiroi Maurilio, moro em Lagoa Santa e nosso grupo de artesãos esta fazendo pesquisas sobre trabalho rupestre para inserir em nossos trabalhos e agora, no final da minha pesquisa, achei seu blog, e foi muito útil e interessante para completar minha pesquisa, pois é muito dificil ter acesso a estes sítios e a gente a caba se perdendo na localidade de cada trabalho. Parabens pelo blog.
ResponderExcluirKathya Bruno
Oi Kathya, bacana a sua iniciativa. Se quiser trocar idéia a respeito, entre em contato. abraços!
ExcluirOlá Maurílio, gostei muito do seu blog.
ResponderExcluirTenho curtido bastante a arte rupestre, desde que vim para Lagoa Santa. To inclusive me inspirando nessa arte de nossos antepassados para realizar meus trabalhos. Te convido para conhecer meu blog e minha página do facebook
www.facebook.com/aldomoveiscomarte
http://aldomoveiscomarte.blogspot.com.br
Olá Maurílio, meu nome é Marcos, sou professor de História da Arte do sistema Pitágoras, sou de BH, mas trabalho no Pará, na região do baixo amazonas na região do Rio Trombetas, moro praticamente em cima de sítios arqueológicos, e sou fanático pelo tema, procuro visitar e observar vários sítios na região do trombetas, o simples fato de uma capina de horta revela artefatos e peças líticas. Gostaria de entrar em contato com você, trocar alguma figurinhas, conheço alguns sítios na região de Lagoa Santa, mas queria ser mais profundo nas minhas pesquisas, meus alunos merecem, afinal eles devem proteger o patrimônio da Amazônia. meu Facebook:
ResponderExcluirhttps://www.facebook.com/profile.php?id=100005056568911&ref=tn_tnmn
Entre em contato se for de seu interesse, abraços.
Marcos Cordeiro.